1) Os três veios principais:
Antes relegada aos escaninhos mais sombrios e escondidos dos cultos afro-brasileiros, a Quimbanda vem saindo dos bastidores nos quais se encontrava para assumir um lugar de destaque no palco rico e multifacetado da espiritualidade nacional. É bastante natural, esperado e mesmo salutar que, tal como se deu muito antes com a Umbanda, ela venha sendo foco de variadas discussões e, inclusive, de ácidas fricções junto à comunidade plural formada por quimbandeiros, umbandistas e adeptos de cultos de Nação Africana.
Nesse cenário onde se fazem presentes os arroubos e as paixões próprias das discussões ainda muito recentes, não é raro encontrar acirradas disputas sobre as origens da Quimbanda, podendo-se identificar, em linhas gerais, duas correntes antagônicas: a primeira, formada por quem entende que a Quimbanda nasceu da própria Umbanda e a segunda, integrada pelos defensores de uma origem independente e mesmo precedente do culto de Quimbanda em relação à Umbanda.
Nessa disputa, todavia, é possível que não haja um lado correto e um errado; perdedores e ganhadores. Afinal, a realidade, muito frequentemente, é bem mais complexa do que as posições rigidamente binárias usualmente derivadas de reflexões apressadas, às quais não se oportunizou a indispensável maturação que somente o concurso do tempo pode operar.
Antes de se passar a analisar o tema, contudo, é importante ter em mente que ainda não há conclusões definitivas a respeito, pois as fontes são muito exíguas e quase sempre derivadas de transmissão oral ou da análise de várias e variadas casas de Quimbanda, o que mais ainda dificulta a tarefa, dado o colorido único que a tradição assume em cada comunidade.
De todo modo, verificam-se três veios dos quais parecem derivar as casas de Quimbanda hoje existentes, algumas delas integrando elementos não apenas de um deles, mas de dois ou até mesmo dos três juntos:
1 – Quimbanda anterior à Umbanda;
2 – Quimbanda originada da Umbanda e
3 – Quimbanda derivada de casas de Candomblé, principalmente de Nação Angola
2) Havia Quimbanda antes da Umbanda?
O primeiro veio é aquele que demanda maior cuidado na sua identificação, pois tudo indica ter havido uma mudança de nome: o que antes era chamado de Macumba, passou a ser denominado de Quimbanda. Mas não só…
Com o surgimento da Umbanda, filha direta do Espiritismo francês e da Macumba carioca, processou-se uma higienização das práticas pertencentes à Macumba que não eram bem-vistas pela então emergente sociedade branca e de classe média do Rio de Janeiro do início do século XX. Melhor dizendo, tomou-se da Macumba aquilo que esse agrupamento social considerou palatável e minimamente aderente à doutrina de Allan Kardec (ainda que a própria Umbanda rompesse com os limites doutrinários do Espiritismo e se traduzisse numa dissidência confessa do ethos “kardecista”). Ademais, à medida que a Umbanda foi conquistando alguma respeitabilidade junto ao público, muitos terreiros de Macumba, em virtude da perseguição social e mesmo policial das suas práticas, passaram a adotar a denominação de casas, centros ou tendas umbandistas.
É fato sabido que, quando se cria um foco num extremo, surge outro foco no extremo oposto, à guisa de contrapeso. Ora, se a Umbanda se apresentou como um culto eminentemente cristão e moralista, é bastante provável, porque natural, que os aspectos da Macumba desarmônicos com esse ideário fossem estruturados noutro culto. De mais a mais, os terreiros de Macumba que se viram obrigados a mudar a denominação do culto por eles praticado para Umbanda e que passaram, assim, a adotar a ritualística e os elementos doutrinários umbandistas, necessitavam dar vazão às antigas práticas da Macumba que não encontravam lugar nessa nova religião urbanizada e aburguesada. Surgiria, assim, a Quimbanda.
Nota-se que a Quimbanda, desse modo, sempre foi um culto de exclusão, formado por elementos excluídos e por indivíduos igualmente excluídos. As práticas amorais de feitiçaria, o sacrifício animal, as celebrações noturnas, não raro em cemitérios, foram acolhidos no mesmo culto subterrâneo que recebeu de braços abertos os malandros, os boêmios, os fora-da-lei, as prostitutas, as cafetinas e os cafetões, todo um contingente humano que já era conhecido como Exus e Pombagiras muito antes do nascimento da Umbanda, mas que nela não encontraram lugar, principalmente num primeiro momento. Afinal, historicamente, a Umbanda começa sem Exus (ao menos explicitamente), os quais passam a integrá-la abertamente somente tempos depois, com a abertura conferida pela Tenda Espírita São Jorge ao “povo de rua”.
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