Breves reflexões sobre as origens da Quimbanda – 2ª parte

1) Macumba – Umbanda = Quimbanda:

Vimos, na primeira parte deste artigo, que a Quimbanda, de certo modo, formou-se a partir daquilo que “ficou de fora” por ocasião da formação da Umbanda, a partir da Macumba, por homens pertencentes a uma classe média branca e burguesa do início do século XX, para os quais muitas das práticas da Macumba não eram palatáveis.

Dizendo de outro modo, no século XIX, não havia Umbanda, nem Quimbanda. Havia, no Sudeste, a Macumba. Quando foram extirpados, da Macumba, os elementos considerados socialmente aceitáveis para a formação da Umbanda, aquilo que restou parece ter dado origem à Quimbanda. Assim, pode-se considerar o surgimento da Quimbanda como contemporâneo ao da Umbanda ou, a depender da ótica pela qual se analisa a precessão histórica, como um culto a ela anterior, pois mais fiel às tradições da Macumba. Afinal, nas casas de Quimbanda nas quais, além de Exu e de Pombagira, cultuam-se pretos-velhos quimbandeiros, caboclos quimbandeiros, ciganos, malandros, boiadeiros e marinheiros, não se vê muita diferença (se é que diferença há) em relação aos antigos terreiros de Macumba.

2) A Quimbanda derivada da Umbanda:

A coisa, contudo, não é tão simples como pode parecer e não se resume ao fenômeno social acima descrito. Afinal, há ainda o segundo veio já aludido, aquele da Quimbanda derivada da Umbanda. Como se viu, Exu e Pombagira surgem num momento posterior na Umbanda, pois Zélio de Moraes não trabalhava com a “esquerda”, a qual só passou a ser inserida no movimento umbandista na Tenda Espírita São Jorge, a sexta tenda formada sob as ordens do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Nela, na década de 30, João Severino Ramos, seu fundador e médium do Exu Tiriri, passou a fazer giras de exus.

Com o tempo, algumas casas umbandistas passaram a se dedicar mais à chamada “esquerda” do que à denominada “direita”, de forma que algumas delas passaram a cultuar exclusivamente Exus e Pombagiras, ao passo que outras criaram um culto separado e distinto com grande destaque para esses espíritos, embora continuassem a trabalhar com os caboclos, pretos-velhos e crianças da Umbanda. Esse fenômeno ocorreu em vários lugares, mas assumiu relevo na região Sul do país, sobretudo no Rio Grande do Sul, onde, inicialmente, os adeptos tão somente do culto de Exu e de Pombagira fizeram-se chamar de “exumbadeiros”, denominando o seu culto de “Exubanda”.

Merece grande destaque, ainda, o trabalho pioneiro de Mãe Ieda de Ogum (Ieda Maria Viana da Silva) que, na década de 60, outorgou independência ao “povo de rua”, até então cultuado quase que às escondidas na Umbanda, para dar à luz a riquíssima Quimbanda Gaúcha, bastante influenciada pelo Batuque. A partir desse momento, a Quimbanda Gaúcha, também conhecida como Quimbanda de Cruzeiro e Almas, estrutura-se como uma religião independente, na qual Exu e Pombagira não estão subordinados a Orixás ou a entidades de Umbanda como Caboclos, Pretos-Velhos e Crianças. Vale observar que, muito embora a Quimbanda praticada na região Sudeste difira da Quimbanda da região Sul, já que esta última constituiu-se como uma religião propriamente dita, ao passo que a primeira se traduz num culto de feitiçaria brasileira, Mãe Ieda de Ogum foi quem primeiramente descreveu a organização e os fundamentos dos Exus e das Pombagiras em sete reinos, cada qual com nove povos, numa estrutura que cada vez mais vem ganhando espaço em todas as vertentes de Quimbanda, suplantando, assim, a ideia das Sete Linhas de Quimbanda originada no seio da Quimbanda do Sudeste.

3) A Quimbanda subterrânea nas roças de Candomblé:

Por fim, há ainda o terceiro veio, ainda mais difícil de se identificar, pois deriva de casas de Candomblé, principalmente aquelas de influência bantu. Do mesmo modo que muitas casas de Candomblé incorporaram o culto de caboclos (e não vem ao caso, neste estudo, aprofundar as origens desse culto), as entidades Exu e Pombagira também foram absorvidas em muitas delas (não se trata, naturalmente, do Orixá Exu ou Èṣù). Esse culto ao “povo de rua”, que recebeu muita influência do culto de Nação Africana, acabou originando tradições (ou vertentes) de Quimbanda, ora Congo, ora Angola, ora ainda Congo-Angola.

Nesse contexto das casas de Candomblé, convém lembrar que a tendência de se delimitar muito rigorosamente os limites dos cultos afro-brasileiros e, sobretudo, dos “candomblés” é um fenômeno moderno, fruto da influência exercida por sociólogos, antropólogos e cientistas da religião que neles focaram suas pesquisas. No passado, houve um intercâmbio generalizado entre todos esses cultos, de forma a se poder vislumbrar elementos da Macumba e mesmo da Umbanda em várias casas mais antigas de Candomblé. Assim, elementos da Macumba, muito comuns nos “candomblés” da região Sudeste, ao que tudo indica, podem ter dado origem a correntes subterrâneas de Quimbanda nessas casas, como é o caso do famoso terreiro da Goméia, de Pai Joãozinho da Pedra Preta (João Alves de Torres Filho), filho de santo do grande Jubiabá (Severiano Manoel de Abreu). Aliás, do terreiro de Candomblé de Joãozinho da Goméia em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, originou-se uma raiz de Quimbanda bastante tradicional, respeitada e bastante difundida no eixo Rio-São Paulo.

O tema, como se vê, ainda carente de maior alicerce acadêmico é complexo, não se justificando brigas e disputas a respeito das origens de um culto que mais parece um quebra-cabeças de variadas culturas, tradições e saberes.

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